Danilo

Era a primeira vez que aquilo acontecia. Pra dizer a verdade, ele nunca concebeu que aquilo pudesse acontecer. Ele desceu para o andar debaixo e viu a casa do seu melhor amigo entre-vazia. Eram caixas, poeira arrastada no chão, som de vazio, sinal de ausência. Já tinham ido? E as caixas? Seu amigo de repente aparece. Eles se entre-olham conscientes. Sem mais brincadeiras, sem colégio, bicicleta, videogame, ou campainha.No dia seguinte não existiria mais nada. Os dois, só.

Não era só lagrimas, ou choro. Era um sentimento estranho, na garganta. Sentimento que moia.

Gabriel

O plano estava pronto e Gabriel decidido. Ele guarda na mochila um mirabel, dois shorts de jogar futebol, a camisa do Batman, uma resma de folhas brancas e lápis de cor. Em cima da mesa ele deixa uma carta, aquele castigo do dia anterior não iria passar em branco. Eles não deram razão ao filho do vizinho? Então que fiquem com o filho do vizinho! A idéia era básica, sair sem fazer barulho. Para esperar a hora marcada, meia-noite, ele senta no meio da sala escura e fecha olhos. Só que, de repente, as luzes se acendem. Era 9h da manhã e sua mãe, já acordada, lia a carta da fuga, pra variar, rindo. Desde então, dona Irene repete essa história em toda reunião de família. Gabriel não sente mais vontade de fugir, mas de se matar.

André e Paulo

Depois da partida de futebol André e Paulo deitam no gramado e olham as estrelas. André, ainda segurando a bola, pergunta a Paulo: "Cara, c já beijou na boca?". O menino não sabe o que responder e um mundo passa pela sua cabeça: Pensa em dizer "Claro, tenho namorada", mas rapidamente muda de idéia e suando quase responde "Já, uma vez só", o que seria o suficiente, se algo não o condenasse por dentro pela mentira. Outras respostas passam velozes pela sua cabeça, como "Não, mas não faltou oportunidade" ou um "Sim" seco. Mas no final, cansado e vencido, confessa Paulo: "Não, nunca". Sem tirar os olhos das estrelas André diz "Nem eu".

Felipe

O menino queria a espada do Jaspion que viu na seção de brinquedos. "Estou sem dinheiro", dizia a mãe, "depois". Depois, ele sabia, ele com certeza esqueceria, a espada perderia a graça. Protestou: "Mas mãe...". Ela vira pro garoto e diz 'Olha, a espada vai ficar ali, eu vou pedir dinheiro pro seu pai e assim que a gente voltar a gente compra'. De noite, a mãe resolve fazer uma surpresa, e compra para o garoto a tal espada e coloca em sua cama. Quando menino vai dormir, começa a gritar. "Ah, ele está tão feliz", pensou a mãe. Engano dela, a espada que não era do Jaspion.


Thiago

Sala de aula, volta das férias. O professor pede aquele tipo de trabalho conhecido como "bebi ontem, estou de ressaca e não quero dar aula", em outras palavras, um relatório das férias de meio de ano. Thiago pensa: "Porra, que que essa porra quer que eu diga?". O conjuntos "Porras", um recurso estilístico finíssimo, usado duas vezes na mesma frase com significados inteiramente diferentes. Thiago era um poeta! Mas continuava sem saber escrever uma redação. Nela, as histórias realmente boas costumam vir de um tipo de pessoa: as que viajam, pois elas sim tem história para contar. Isso! e se ele inventasse uma história?"Um belo dia acordei, fui pra Região dos Lagos e fiz o mesmo programa diferente de 98% dos cariocas. Divertido!". Thiago então respira fundo e começa a passar para o papel: "Minhas férias? Ótimas, eu viajei para.. a puta que o pariu!". Sim, não vou mentir, dessa vez não foi nada poetico.

João

O menino olhou pela janela do último andar. Deitado nas estrelas ele contemplava o pé de boldo entranhado na parede da lateral do prédio. Chovia, as gotas batiam no basculante às suas costas fazendo o zumbido de pequenos tambores. A chuva no metal que protegia o ar condicionado aumentava a percussão e a vizinhança fechava as janelas. Lá embaixo, o homem que cuidava do jardim corria com as plantas miúdas para de baixo da marquise que tinha numa pequena horta. E ele ali, impassível. Deitado nas estrelas e contemplando as flores. Era engraçado: um astronauta na terra e um jardineiro no céu.

Pedro

Domingo no carro todos rumo a casa da vôvô. Mãmãe levava um panelão de feijoada e a táboa em seu colo não a deixava se queimar. Pedrinho resolveu perguntar: "papai, Deus pode tudo?" Os olhos verdes e grandes da irmã menor sorriram e o pai disse: sim, Pedro. "Tudo, tudo, tudo mesmo?" continua. E o pai assentiu, e o garoto insistiu: "Pode até contar até infinito em um segundo?", argumentou. Já irritado, o Pai diz "Sim! Como eu disse, ele pode tudo!". A tá..disse o garoto, parecendo em entender. Dez minutos depois, ele pergunta "E Jesus?".

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